domingo, 11 de setembro de 2011

"Begotten" e o resgate do cinema puro

Como já falei em alguns momentos neste blog e em conversas informais sobre o assunto, às vezes é importante refletirmos sobre o que cada forma de arte tem a oferecer por essência, ou seja, em que se baseia e o que a diferencia das demais. Tomando por exemplo os tipos de arte contemplados neste blog, temos o som na música, as palavras na literatura, a imagem na fotografia, e a imagem em movimento no cinema. Cada uma dessas ferramentas define a arte correlacionada.

Tratando especificamente do cinema, é interessante observarmos como sua evolução histórica e tecnológica influencia diretamente o modo como percebemos a necessidade da imagem em movimento para a construção de uma obra. Até o final dos anos 1920, não havia um modo suficientemente decente de imprimir faixas de som em um rolo de filme. Dessa forma, qualquer diálogo ou narração que precisasse ser representado, o era feito através de textos que vez por outra apareciam na tela. Além disso, durante as sessões de cinema, era costume haver uma pequena orquestra que tocava músicas seguindo a narrativa do filme, tanto para não tornar o evento monótono como para cobrir o incômodo barulho produzido pelo projetor da época enquanto em funcionamento.

Isso quer dizer que os cineastas eram obrigados a lidar com essa deficiência de um modo criativo, esforçando-se por elaborar maneiras de transmitir idéias, sentimentos e um encadeamento narrativo lógico somente através de imagens em movimento, uma vez que era simplesmente inviável e indesejável o uso constante de textos que interrompessem o filme a todo o momento. Para isso, era necessário que a câmera não apenas registrasse passivamente o que acontecia, mas que se movesse de forma a participar da narrativa; era preciso que a montagem não se limitasse a juntar os pedaços de filme, mas que guardasse significados em cada corte, etc. Assim nascia uma linguagem propriamente cinematográfica, e o cinema se consolidava enquanto sétima arte, desvencilhando-se totalmente do teatro, ao qual frequentemente era comparado.

Até que, com o advento do som, a partir do final dos anos 1920, a arte cinematográfica ganhou mais um instrumento de trabalho, mas sofreu uma grande perda da qual nunca se recuperou totalmente. Os cineastas mais puristas condenaram até o fim o uso do som no cinema, pois defendiam que a arte deveria se manter só com o que lhe era essencial. Já outros, receberam de braços abertos a novidade tecnológica, tornando-se reféns dela e esquecendo-se do valor do silêncio. Dentre estes dois grupos, são lembrados aqueles que souberam fazer do som uma ferramenta tão importante na condução narrativa e na construção de significados quanto a imagem em movimento, sem que para isso houvesse prejuízo de nenhum dos dois.

Nesse contexto, enfim podemos apresentar a obra a que este post diz respeito. Begotten é um filme estadunidense de 1991 que conta uma versão macabra e pessimista do mito da Criação. Trata-se basicamente do seguinte: Deus comete suicídio, e deste ato nasce a Mãe Natureza, que por sua vez O masturba e se autofecunda com o Seu esperma, dando origem ao Homem, um ser que sofre simplesmente por existir e ainda é maltratado por outras figuras misteriosas.

Apesar de ter sido feito há somente duas décadas, este filme serve de belo exemplo para o tema aqui proposto. Foi filmado em preto e branco e refotografado – num processo que durou cerca 10 horas para cada minuto de filme – a fim de conseguir o resultado pretendido pelo diretor, que consiste em uma imagem praticamente sem tons de cinza, forçando o contraste entre o claro e o escuro. Isto pode representar desde a simples intenção de fazer parecer um filme tão antigo quanto a própria Criação até um simbolismo para a desilusão humana de que tudo o que existe é o bem e o mal, sem lugar para intermediações.

Quanto ao som, não consiste em diálogos nem narração, mas somente em grunhidos de agonia, respiração ofegante e barulhos naturais de objetos, passos, etc. Essa é uma maneira genial de conciliar o som e a imagem, que trabalham em conjunto para produzirem um efeito perturbador, ironicamente acentuado pelo silêncio.

Portanto, para quem tem estômago forte, senso crítico sobre temas controversos e real interesse em testemunhar o resgate da pureza cinematográfica na atualidade, desejo um bom filme!

Thiago César

domingo, 4 de setembro de 2011

De cara com um profissa!

Bem Vindos à semana da Fotografia e de quadro novo!
O “De cara com um profissa” será um quadro de entrevistas com fotógrafos profissionais, os quais darão dicas, sugestões de máquinas fotográficas e muito mais. Espero que esta postagem seja a primeira de muitas!!

Ele já foi fotógrafo do Hangar (Centro de Convenções da Amazônia), atualmente repórter do Diário do Pará e trabalha como repórter fotográfico (freelancer). Tem um Flickr super visitado e afirma que para a fotografia “o que vale é o olhar”. A primeira entrevista do quadro “De cara com um profissa” será com Bruno Carachesti fotógrafo há 6 anos.


#Qual seria o segredo para um amador em fotografia aprender a fotografar?

A princípio o que vale é o olhar, mas acho que o segredo do aprendizado é olhar muitas fotos de todos os jeitos, do clássico ao contemporâneo. Manipular a câmera é o de menos.


#Você acha que é possível conseguir uma foto de efeito com uma compacta (essas máquinas populares mesmo)?

Claro, com as limitações que ela pode apresentar, mas dá para fazer fotos boas com uma compacta sim.


#E qual seria o momento de um amador encarar a compra de uma profissional?

Agora! [risos] Assim, existem boas câmeras reflex, com bons recursos e os preços estão bem bacanas ultimamente. Eu particulamente prefiro a Canon. Já usei Nikon e troquei todo meu kit Nikon por Canon, mas há aqueles que preferem a Nikon isso é uma discussão sem fim.

#E quando falamos sobre amador que a priori não vê a fotografia como profissão, mas como hobby. Você mesmo assim indica a compra de uma profissa?

Sim, sim. Se a pessoa estiver satisfeita com os resultados da compacta, acho que não rola comprar uma profissional, mas no decorrer da vida você vai querer ir mais além, ter o controle das coisas, usar o manual, ter o controle de exposição...

#Um dia me indicaram a câmera T1I para comprar e começar uma vida fotográfica nem tanto amadora assim. O que você acha dessa indicação? 

É uma boa câmera, filma e fotografa, mas já lançaram a t2i e t3i. Precisas olhar os prós e os contras. Fotografia é algo muito louco. Assim como tudo, estamos reféns da tecnologia. Então, é preciso ver se os recursos dela já estão ultrapassados. Como te falei, já lançaram a t2i e a t3i, vê se vale a pena investir mais um pouco e pegar uma câmera nova, porque as t1i que estão no mercado são câmeras que a Canon parou de fabricar.


#“Quero muito comprar a Canon g12 e a sensação do momento: a Go Pro” – afirma Bruno Carachesti. Então para um fotógrafo, nunca cessa essa sede de comprar o que é do momento?

[risos] Pois é, estamos reféns da tecnologia do capital. A Canon g12, é uma compacta que tem recursos de uma profissional, muitos fotógrafos profissionais a utilizam como segunda câmera. Já a Go Pro é uma super compacta para esportes radicais. Vem com caixa estanque, uma loucura!! [risos]


#Bruno, e como anda o mercado de trabalho para quem quer seguir carreira na fotografia?

Assim, funciona como qualquer outra profissão, qualquer atividade que você exerça pode dar lucro ou não. Eu conheci uma pipoqueira que construiu uma casa e formou dois filhos na faculdade vendendo pipoca e conheço um cara com mestrado na USP que está fu*** e vendendo o almoço pra comprar a janta. Tem que ser bom, ter estratégia e um bom equipamento ajuda muito!

#Então você pode dizer que, da mesma forma que outra profissão, só os melhores se destacam?

Então, ser bom é pouco, é ficar no meio da massa. Precisa ser excelente, ser atualizado com as novas tendências, ser inovador no olhar, ter estratégia, conhecer pessoas certas, fazer contato com todos e ter um bom equipamento. Levando em consideração tudo isso, a fotografia é diferente de outras profissões? Não adianta você ter um puta equipamento e na hora da pauta não ser inovador, não ter atitude.

Agradeço desde já a colaboração do Bruno Carachesti que foi muito gentil em seus ensinamentos aqui no Apontarte.
 
Se vocês quiserem conhecer melhor o trabalho do fotógrafo Bruno Carachesti visitem o Flickr

Sites indicados:

"A fotografia é uma cachaça que vicia e é cara"
Bruno Carachesti
Thay Freitas 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O 111 ais de Dalton Trevisan


Sempre achei interessante a maneira pela qual as manifestações artísticas no geral são influenciadas pelo contexto histórico, social, político, ideológico, econômico, enfim, por tudo aquilo que é humano afinal. Claro que não cabe aqui tratar disso de forma tão abrangente, de modo a atingir todas as artes. Procurarei me deter apenas ao que me cabe nesta postagem: literatura.

Os chamados movimentos literários – ou mesmo escolas literárias – são, a meu ver, a maior representação disso. Tomemos como exemplo o Romantismo. Surgido na Europa no século XVIII, traz inicialmente como marca a rebeldia dos grandes movimentos políticos ocorridos naquela região (a Revolução Francesa, por exemplo). Entretanto, no Brasil, o Romantismo acaba por evidenciar e, de certa forma, legitimar a vida de uma nova classe social que se estabelecia naquele período, a burguesia. Ou seja, contextos históricos, políticos e sociais diferentes resultando em um mesmo movimento literário que se expressa diferente.

Mas aí você me pergunta: por que diabos ela está falando disso tudo? Aí eu respondo: muito simples, meus caros, pois o livro que escolhi para esta postagem é a representação literária de como todos os contextos que expus no início deste texto contribuem na produção literária.

Dalton Trevisan, escritor curitibano, é um dos grandes contistas brasileiros ainda vivo e em produção. Tem mais de 40 livros publicados e dentre eles está o 111 ais, recém-descoberto e lido por esta que vos escreve. Lançado em 2000, 111 ais traz 111 micro-contos não-nominados, juntamente com ilustrações referentes a cada história narrada. São histórias que variam em extensão entre uma página e duas ou três linhas. São também em sua maioria olhares críticos e densos sobre a realidade. O que mais me impressionou foi a rara capacidade literária do Trevisan de traduzir em pouquíssimas palavras situações cômicas, profundas, irônicas, safadas, mas, sobretudo, humanas (quisera eu ter talento igual a este). Mais abaixo há dois desses 111 ais do Trevisan, vejam por conta própria o que o Trevisan faz:


- Assim é muito fácil. Ela te deixa por outro. Depois fica ligando só pra chorar.
- Isso aí.
- Diga não, ô cara. No teu ombro, não. Que se dane, a maldita.
- Sei, eu sei. Só que eu também tenho ligado pra ela e chorado.
(p. 99)

O velhote, bem tristonho:
- Ainda fica duro, o carinha. Só que não trava.
(p. 97)


Para finalizar o raciocínio e, de quebra, a postagem, voltemos às influências que coloquei no início deste texto. Trevisan publicou 111 ais no início dos anos 2000, começo de um novo século, marcado principalmente pelas revoluções tecnológicas. David Harvey, geógrafo britânico, em seu livro A condição pós-moderna (1992), aborda um aspecto o qual me veio à mente enquanto lia os micro-contos de Trevisan e que ressalto aqui: as transformações nos conceitos e percepções de tempo e espaço – aquilo que ele denomina de compressão tempo-espaço – na pós-modernidade. Em suma: o avanço da tecnologia contribui significativamente na construção de novos signos e imagens; vê-se a constante descartabilidade dos bens consumidos e a necessidade de que tudo seja “para ontem”; as distâncias que tornaram mínimas, enfim, nada mais do que esta geração do tudo-ao-mesmo-tempo-agora. E se sempre há muita coisa a ser feita/cumprida/alcançada/desejada, onde a literatura fica (se ler demanda tempo e, sobretudo, vontade)?

Falta de tempo era a desculpa de que dava a mim mesma para a minha notória queda em minha lista de livros lidos. Era. Até eu chegar novamente, e meio sem querer, ao Dalton Trevisan. 111 ais é o típico livro de bolso que todos deviam trazer consigo, para ler sempre, duas ou três breves linhas de profunda humanidade. Não requer de nós tanto tempo de leitura (você pode ler dois ou três micro-contos enquanto espera o ônibus ou o troco do pão). Mas que ao mesmo tempo em não nos exigem tempo para leitura (perdoem-me a repetição), exigem-nos, de modo inversamente proporcional, reflexão sobre o que é lido. Espero que vocês apreciem também e que falta de tempo não seja mais uma auto-desculpa para não incluir literatura como um dos seus vícios.


Reclamações, sugestões e xingamentos, por favor, mais abaixo.

domingo, 21 de agosto de 2011

Em Liverpool, Seatle ou Acre: rock é rock


Já tinha decidido fazer essa postagem sobre outro artista. Mas, aos 47 do segundo tempo, decidi – sem entender bem a razão – ouvir o MySpace de uma banda que, até então, só conhecia por nome: Los Porongas. Bastou ouvir só a primeira música da lista para eu mudar de idéia e resolver postar sobre esses caras.


Los Porongas é formado por Diogo Soares (vocalista e compositor), João Eduardo (guitarra, teclado e efeitos), Márcio Magrão (baixo) e Jorge Anzol (bateria). Eles começaram a tocar em 2003, participaram de vários festivais independentes, dentre eles o Se Rasgum aqui em Belém, conheceram uma galera de renome no meio musical e em 2007 lançaram o primeiro cd de nome homônimo, gravado eproduzido por Philippe Seabra, da Plebe Rube. Esse primeiro trabalho da banda fez um estardalhaço no meio musical – e eu me pergunto até agora onde eu estava que não ouvi isso antes? – e chegou a ser considerado pela revista Rolling Stone um dos melhores 25 álbuns lançados no Brasil em 2007. Nada mal pra um primeiro cd. Deste, faço duas singelas observações: a) trabalho autoral bom pra caralho; b) os quatro tocam pra caralho (e eu chamo atenção para o Jorge Anzol, baterista). Em 2008, Los Porongas lançou seu primeiro dvd, no qual a banda fala um pouco sobre o início da carreira e a saída do Acre para o estado de São Paulo, a fim de divulgar o trabalho que eles estavam fazendo e, obviamente, viver de música.


Em julho deste ano saiu o mais recente cd da banda: O segundo depois do silêncio. Nome nada mais do que apropriado para 4 anos de silêncio entre um cd e outro. Esse novo trabalho saiu pelo Projeto Pixinguinha e conta com participações de Dado Villa-Lobos, na produção da música Sangue Novo; Helio Flanders do Vanguart na faixa Mais Difícil; e Carlos Gadelha, da banda O Jardim das Horas, nas músicas Bem longe e Longo Passeio. É possível perceber algumas mudanças no som da banda - talvez justamente por esse contato direto com músicos residentes em São Paulo.

Para finalizar, li algumas reportagens sobre a banda, os cd’s e influências musicais que eles carregam. Em várias delas fazem uso de termos como “rock amazônico” ou letras com o “imaginário popular da região amazônica”. Não vou aprofundar a discussão sobre essa espécie de 'categorização da categorização' musical que ainda teima em existir, como por exemplo, rock gaúcho, rock de Brasília ou rock amazônico. Mas preciso dizer: rock é rock \m/. Em Liverpool, em Seatle ou no Acre. Assim como Machado de Assis não é escritor de “literatura carioca”, Los Porongas é banda de rock. Ponto. E, pra mim, entrou na lista de banda-de-rock-do-caralho. Fica a dica pra vocês.

“A gente achou que o rock brasileiro estava colorido demais”
Diogo Soares, vocalista de Los Porongas,
em entrevista ao jornal O Globo

# Los Porongas nas redes:

Reclamações, sugestões e xingamentos, por favor, mais abaixo.